Tecendo a manhã
João Cabral de Melo Neto
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Este maravilhoso poema nos faz lembrar do ditado que diz que "uma andorinha só não faz verão". Assim como as andorinhas, um galo sozinho não tece uma manhã, ele vai sempre precisar de outro e mais outro para que se construa toda esta teia. Mas quem são estes galos?
Vamos pensar um pouco? Vamos sim!
Quem é que acorda todos os dias bem cedinho, antes do nascer do sol? Quem é que começa o seu trabalho logo cedo e que precisa sempre de outro e mais outro para dar continuidade ao que já foi feito?
Lembremos que o autor faz parte da geração de 45, período em que o processo de industrialização brasileira estava a todo vapor, já no fim da Era Vargas (1930-45) que foi o governo priorizou e impulsionou este desenvolvimento privilegiando as indústrias nacionais.
Então, já descobriu quem são estes galos que constroem esta teia tênue? Se sua resposta é os operários, os trabalhadores das indústrias, pode comemorar porque você acertou. Sãos estes homens e mulheres que levantam ainda nas horas escuras da manhã e que pouco são lembrados pelos trabalhos que fazem, sãos estes brasileiros que são representados metaforicamente como sendo os galos que tem a manhã.
Como uma das características de João Cabral era trabalhar os fatos sociais, podemos perceber no primeiro parágrafo que dependemos sempre uns dos outros, afinal vivemos em sociedade. Se pensarmos na indústria, é possível comparar com o sistema de produção criado por Frederick Winslow Taylor (Taylorismo) e que depois foi assimilada por Henry Ford (Fordismo) em que cada operário tinha uma única função, realizando sempre gestos repetitivos e assim cada um só fazia uma parte do trabalho e todos dependiam uns dos outros para que o resultado final ficasse como o esperado.
Podemos considerar o poema utiliza-se da metalinguagem. Lembre-se que o verbo tecer tem as mesmas origem da palavra texto. Assim, enquanto os galos vão tecendo a manhã, o autor vai tecendo seu texto linha após linha, chegando a utilizar neologismos (entretendendo).
Na segunda estrofe também, há o uso de aliterações (repetição de fonemas idênticos ou parecidos) que dão um certo ritmo ao poema que pode remeter ao ritmo das máquinas de industriais (principalmente com os fonemas t e d).
O texto também traz um contraste entre o presente e o futuro (retratado como algo que está próximo, a manhã) e o individual e coletivo.
Isso é tudo pessoal! Quem quiser um estudo detalhado sobre a estrutura sintática do poema, eu indico o artigo "O TECIDO SINTÁTICO "TECENDO A MANHÃ"" da professora Mercedes Sanfelice RISSO (baixe aqui), e se você quer uma análise da métrica, rima, figuras, etc., veja aqui. Também tem uma animação massinha desse poema, assista aqui.
Até a próxima!!!
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